Por que só se conta uma História da América relatando fatos ou fenômenos ocorridos após 1492? Por que o que se sabe sobre os povos da América Pré-Colombiana é baseado em acha-dos pós-colombianos? Por que se tem uma historiografia americana com caráter eurocêntrico, com um olhar europeu, um juízo de valor europeu, com requintes de modernismo e lascilação da sociedade? São essas as perguntas que moverão este trabalho, não só essas perguntas, mas também as prováveis respostas para elas.
A história nos últimos séculos é, principalmente, a história da expansão da Europa Ocidental, que, ao constituir-se m núcleo de um novo processo civilizatório, se lança sobre os outros povos em ondas sucessivas de violência, de cobiça e de opressão. (RIBEIRO, p.47)
1492 foi o ano que marcou a história da humanidade, não por incidentes ocorridos no conti-nente europeu, mas pelo que ocorreu fora dele. A descoberta de um continente a oeste da Eu-ropa fez surgir um novo tipo de economia, não mais a economia de explorar as riquezas da terra, mas a exploração do capital humano lá existente. A escravidão há muito desaparecida iria retomar sua importância, uma nova política colonialista iria surgir.
Essa nova política foi impulsionada pelo metalismo e pelo bulionismo praticados pelos Estados imperiais europeus. A política metalista consiste na busca e acumulação de metais preciosos (ouro e prata) nas casas reais dos Estados europeus, o bulionismo vem a ser as políticas criadas por esses estados para fazer com que cada vez mais metais entrem e cada vez menos metais saiam desses Estados. Os Estados ibéricos exploraram como ninguém esses metais na América, e o fizeram com a falsa idéia de agentes civilizadores dos nativos. Isso já é sabido de todos. Mas, em que se sustenta esse caráter eurocêntrico dessa historiografia? Em que se baseiam os historiadores modernos sobre o tema? Porque não se tem uma história concisa sobre a América pré-colombiana? Porque os povos incas, maias e astecas não foram durante muito tempo tidos como civilizados?
A idéia da Europa como centro do mundo, pregada a princípio pelo Império Romano, e depois pela Igreja Católica chegou aos Estados Europeus, que nessa época se apresentavam apenas como Portugal e Espanha. Essa idéia passava uma mensagem que todos os outros continentes deveriam servir à Europa. Assim eles subjugavam as outras terras expandindo seus domínios políticos e ideológicos.
O faziam justificando-se como enviados de Deus para civilizar os ameríndios. Isso sem des-considerar um detalhe: havia uma lenda comum aos povos indígenas que deuses viriam do mar para dar-lhes fartura de alimentos e glórias nas batalhas. Isso sim contribuiu para uma dominação ideológica e política dos europeus sobre os ameríndios Houve uma passividade dos indígenas que acreditavam ser os europeus esses deuses.
Após a dominação houve uma construção da história da conquista da América, trata-se de narrativas, como La Conquista de México de D. Henán Cortez. A Carta de Descoberta do Brasil de Pero Vaz de Caminha, e uma obra que foi posteriormente intitulada La Conquista Del Paraíso, que foi baseada nos relatos de Cristovam Colombo acerca da descoberta da A-mérica. Essas narrativas mostram um olhar europeu sobra a América, são narrativas pessoais, muitos são transcrições de diários, ou seja, já começam selecionando os elementos a serem descritos e subjugando os povos nativos da América. Logo que descobriam os templos aos deuses nativos, os colonizadores trataram de destruir não só as pessoas, mas as cidades, tem-plos e locais sagrados, mantendo muito poucos conservados, apenas porque estes lhes traziam alguma importância, ou não conseguiram ser destruídos, ou simplesmente por que não foram descobertos.
Os europeus sequer esperavam encontrar seres humanos na América, os encontraram e os consideraram como selvagens, como animais em um estágio próximo ao do ser humano. Então decidiram por civilizá-los, adequá-los aos padrões europeus, dar-lhes uma religiosidade católica, roupas para cobrirem o corpo, disciplina de trabalho não como havia, o trabalho para manutenção da vida e da comunidade, mas um trabalho para a acumulação de bens, metais alimentos e terras. Aí se via mais uma justificativa para uma dominação ideológica. Além do catecismo, que seria uma compensação da perda de fiéis causada pela Reforma Protestante. A princípio não havia colônias, havia missões, estas tinham como principal função transformar os indígenas em nativos.
Logo que os conseguiram, trataram de escravizá-los, dar-lhes a disciplina européia de trabalho, caracterizada pelo trabalho capitalista, um trabalho sustentar outro que não o próprio tra-balhador. Não há dúvidas de que o catecismo contribuiu em muito com o colonialismo. Mas a questão pertinente é a questão historiográfica, é o porquê dessa historiografia que se tem de antes dessa colonização é tão precária, tão rarefeita. Uma das respostas é a questão do agente civilizador. Só se conta história quando se tem civilizações, e os colonizadores queria justificar sua dominação como civilizadores, colocando os ameríndios como bárbaros, ou seja, como não-civilizados.
Vale ressaltar que há dois critérios para que uma sociedade seja considerada como civilização, são eles a existência de cidades e a dominação de escritas. O que não foram observados em primeira instância, embora fossem constatadas depois a existências destes por historiadores modernos, por arqueólogos. Mas a historiografia americana já estava impregnada com a bar-barização dos nativos, e derrubar esse paradigma tornou-se uma tarefa árdua e difícil de ser aceita quer seja pelo público quer seja pela comunidade científica.
Quando um historiador de nossos dias decide estudar as sociedades pré-colombinas encontra um primeiro obstáculo: a pouca quantidade de fontes. Foram poucos os documentos poupados da destruição pelos conquistadores e as fontes imateriais, como os costumes e a língua foram suprimidos pelo modo de vida europeu imposto aos nativos pelos colonizadores. As aldeias e cidades, assim como os templos foram em sua maior parte destruídos, se não no momento da conquista, foram depois pelo catecismo ou pelo tempo, isso porque quase não sobraram pes-soas para dar a estes o devido cuidado.
As fontes que restaram são o que se chama de cultura material, pouquíssimos documentos em museus da Europa e Estados Unidos. Além dessas poucas fontes em museus, há as mais es-cassas, que são os templos e cidades, situados nas mais densas e distantes localidades, em florestas de difícil acesso ou sob as grandes cidades, como é comum na América Central. A-lém disso, as fontes escritas são inexistentes, foram feitas em matérias orgânicos, poços e con-táveis são os inscritos em pedra, que já estão corroídos pelo tempo e impossíveis de serem estudados.
A ainda há o problema dos relatos, muitas das histórias contadas pelos nativos se perderam com o tempo, há pouquíssimos relatos escritos, e no mais, os mesmos foram escritos por con-quistadores europeus. O que implica em um relato distorcido destas sociedades, destas civili-zações. Este vem a ser um dos maiores problemas da construção de uma História da América Pré-Colombiana, a falta de fontes diretas, o que faz desse historiador que tenta escrever essa história mais um arqueólogo do que um historiador de fato.
Então o historiador que mais é um arqueólogo tem de se esforçar para reconstruir uma história não documentada, cujos poucos vestígios quase todos se perderam e os relatos são quase ine-xistentes, se resumem a mitos lendas e epopéias. E esta se constitui de relatos fragmentados, isolados, deixando o seu trabalho cheio de lacunas, cheio de falhas, tornando-o subjetivo, tor-nando-o mais literatura que ciência, um trabalho onde ele tem de recriar e criar muitos fatos sem evidências provadas cientificamente.
Nota-se que o problema aparentemente não está na historiografia, está na história, é nela que está a estirpe dessa problemática, pois nela os relatos são construídos, nelas as fontes para a historiografia, para o trabalho do historiador, estão localizadas e é nela que ele as busca. A história da América Pré-Colombiana foi construída por europeus, por colonizadores, que se valeram do julgo de “trazedores da civilização” para esse continente. Tinham, para justificar sua dominação, de ignorar as civilizações aqui encontradas, destruir os “Estados” aqui encon-trados, se é que assim se podem chamar as instituições dos Incas, Maias e Astecas.
Tinham de ignorar o que encontraram na América, pois os sentimentos nacionalistas que os moviam faziam-nos declarar a Europa como o berço da civilização, que os europeus têm de levar essa civilização para o resto do mundo. Por isso esses colonizadores, ou melhor, esses conquistadores tinham de destruir as evidências que lembrassem e existência de civilizações anteriores à chegada deles. O problema aqui tratado não chega a ser um fato, é um tema não para pesquisa prática, mas para o estudo de teorias, de caso histórico. Não se deve perguntar o porquê não há uma História científica da América Pré-Colombiana, mas que fatores influenci-aram essa historiografia falha e cheia de lacunas que se tem a respeito desse período da história do mundo.