Frase da semana

A manifestação popular é a legitimação da democracia (Dilma Roussef)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Você aí e eu aqui

Por: Dianifer Cavalheiro Lopes

Ah, essa distancia enorme

A nos separar.
A saudade
sempre vem me encontrar,
Na minha porta bate,
E meu nome
Começa a chamar.
Eu abro a porta feliz,
Pensando que e você
Vindo me beijar.
Mas não era você,
Era ela,
Voltando pra ficar.
Ah essa saudade
Que quer me matar

Onde está a Democracia? (1)

Por: Everton Marques de Carvalho

Moses Finley é especialista em Grécia Antiga, tanto do período Arcaico quanto to do período Clássico. Escreveu também The Ancient Greeks (Os Gregos da Anti-guidade), onde ele conta o surgimento da civilização grega e também como funcio-nava em seu período arcaico, como se constituíram as cidades e como se dava a relação entre elas. Em The Ulysses World (O Mundo de Ulisses), Finley trata de como era a Grécia Arcaica, principalmente dando enfoque às sociedades ateniense, espartana e troiana, como se dava a relação cultural e econômica entre elas, o que causou as guerras entre gregos e troianos. Uma outra obra muito conhecida do autor é Democracia Antiga e Moderna, onde ele faz um paralelo entre a democracia ateniense e a democracia moderna, obra esta que contém o capítulo Líderes e Liderados.

Democracia Antiga e Moderna é uma crítica à democracia moderna, onde Fin-ley busca na Democracia Antiga os fundamentos da Moderna, busca em seu traba-lho estabelecer semelhanças e diferenças entre elas. Líderes e Liderados é o capitulo que trata das relações entre governantes e governados na Grécia Antiga, ou para ser mais preciso, em Atenas, mantém o rigor crítico, mas toma base em dados teóricos e práticos para criticar a democracia moderna. O autor mostra que a tendência liberalista das democracias ocidentais, e a distorção do ideal desta doutri-na causa aos cidadãos comuns um sentimento de Apatia Política, pois o cidadão só participa da política enquanto eleitor, no mais é apenas o cidadão comum, não participa diretamente da política. O cidadão escolhe representantes que tomarão as decisões da nação durante um período. Mas esses representantes apenas dizem fazer a vontade dos seus eleitores, no mais tratam de criar formas de se manter no poder.

É essa não-participação que gera o que o autor chama de “Apatia Política”, que é uma rejeição ao direito de voto. Quanto às democracias modernas onde o voto é obrigatório, ou seja, nos países mais pobres, onde os governos são mais corruptos, a apatia se mostra em abstenções nas urnas ou em sentimentos anti-nacionalistas. Essa apatia política é resultante da não satisfação dos cidadãos, pois eles escolhem os representantes que ele diz fazer as suas vontades, mas esses políticos não atendem essas vontades, fazendo o cidadão não usufruir de seus direitos.

Enquanto na democracia moderna os cidadãos escolhem seus políticos, a democracia antiga o cidadão é o próprio político, é ao mesmo tempo líder e liderado. Ele tem de promover em todo momento práticas que promovam o bem-estar social para que possa participar da Eclésia, grupo de cidadãos que governa o Estado na Grécia Clássica, ou se participa, para permanecer nela. Participar da Eclésia (As-sembléia), era uma contemplação, é um reconhecimento dessa participação, dessa bem-feitoria à sociedade, ao lar (como os antigos gregos se referiam à cidade). A participação na cena política era uma retribuição ao que o indivíduo fazia à comuni-dade, quando o deixava de fazê-la era retirado da assembléia.

Uma vez terminado o mandato de um membro da Assembléia, ele não poderia participar novamente da Eclésia, pois caracterizaria uma Oligarquia, ou uma timo-cracia, onde o Estado é regido por um grupo seleto. Hoje a participação política é comparada a uma profissão, é o político que dita as regras da comunidade, e não a comunidade que dita as regras da política.

Em Atenas, a democracia era explicada com a parábola do campo de trigo, “quando um ramo se sobressai ais outros ele tem de ser cortado”. O cidadão que participava da assembléia por um ano, depois saia dela e não sabia quando retornaria, ou se retornaria. Na democracia ateniense essa rotatividade permitia que todos participassem da Assembléia. Enquanto na democracia moderna há uma permanência na cena política. O indivíduo que é deputado depois se torna senador e presidente, quando o deixa de ser retorna para outro cargo, não deixando que outros participem da política. Isso faz da democracia moderna uma espécie oligarquia disfarçada, onde famílias tomam conta do poder (nacional ou regional) e não permitem que indivíduos participem da administração pública.

Além dessa permanência no poder há uma hierarquização do poder, a demo-cracia moderna se apresenta em uma forma piramidal, onde há o executivo na pes-soa do Chefe de Estado acima de seus ministros e logo abaixo seus deputados. O legislativo que deveria estar unido paralelo ao executivo mostra-se fragmentado e abaixo deste. Os legisladores se apresentam como contrários ou a favor de determi-nados governantes, e não contrários ou a favor de políticas praticadas ou projetos elaborados. Acaba que essa participação na cena política moderna se dá por meio de relações entre os governantes e governantes, e não entre governantes e gover-nados.

Na democracia ateniense não havia essa relação governante-governado, o governante era o governado e o governado também era governante. Um outro contra-ponto encontrado por Finley, que leva o significado da palavra democracia ao pé da letra, como já é sabido, democracia, na raiz da palavra, significa “poder que vem do povo”. Em Atenas o povo fazia o poder político, no Estado moderno quem faz o poder político é uma Elite representativa, que diz governar em nome dos cidadãos comuns, mas não o faz, causando a “Apatia Política” citada por Finley. Para ele a democracia moderna é uma distorção da antiga, é uma aristocracia disfarçada.

Na Atenas Clássica as leis eram feitas por cidadãos que tinham de obedecê-las posteriormente, enquanto cidadãos, pois logo deixaria de fazer parte da Assembléia e tinha de obedecer às leis como cidadão comum, e s enquanto membro da Eclésia ele descumprisse alguma lei, poderia ser retirado dela. Na democracia moderna o que se vê é o contrário. O cidadão comum coloca os governantes no poder mas não podem tirá-lo, a não ser pelo voto. As leis são feitas pelos governantes e os cidadãos comuns não podem questioná-las, apenas devem obedecê-las, e os governantes ficam acima delas, são imunes às leis que eles criam.

Democracia Antiga e Moderna nos ajuda a compreender como funcionava a democracia antiga e como funciona a contemporânea, trazendo suas semelhanças e divergências, seus pontos semelhantes e opostos. Líderes e liderados trata especificamente de como se dava a relação entre governantes e liderados, como eles se diferenciavam, de como eles se abalizavam, mostra que na Atenas Clássica havia uma relação de reciprocidade entre governo e sociedade, isso porque eram os dois uma só instituição. E na modernidade há uma relação semelhante è relação senhor-servo existente na Idade Média, o governo está superior à sociedade. O que, segundo Finley, não pode ser chamado de democracia.

O quê se pode concluir? Pode-se concluir que não se tem Democracia no mundo moderno, que esse sistema político é impossível quando se trata de milhões de indivíduos. Ao ver países ditos modernos e democráticos usarem da força para instituir a democracia em outros países ditos não democráticos deve-se questionar a democracia moderna. E o que dizer de casos como o que se prolonga desde o ano de 2003 quando soldados americanos invadiram o Iraque com a desculpa de instituir a democracia? Sabe-se que em regimes autoritários há um maior respeito às leis e à integridade do Estado, há um nacionalismo forçado, mas este ainda existe.

Quando se trata de democracia tomamos os países desenvolvidos como modelo, mas como uma país onde quem perde nas urnas assume a frente do Estado pode ser democrático, como um país que impõe-se sobre estados que ele mesmo reconhece a independência a fim de colocar neles as suas rédeas, como um país que preza pela democracia pode se definir como o remanescente do Império Romano? O conceito de democracia deve ser, e muito, repensado, afinal, está sendo deturpado por aqueles que dizem fortalecê-lo.

(1) FINLEY, M. I. “Líderes e Liderados.” In: Democracia Antiga e Moderna, por M. I. FINLEY, tradução: Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1988.

Liberdade em Demasia

Por Everton Marques de Carvalho


Conta-se que um policial foi interrogado por um jovem jornalista sobre o porquê de a Polícia chegar no bairro Beirú (Tancredo Neves), em Salvador, batendo em todos os moradores. A reposta do policial foi imedi-ata e assustadora: “É porque lá só mora bandido, puta e traficante”. O jovem repórter replicou dizendo que pega todos os dias um ônibus que passa pelo Beirú e sempre encontra pedreiros, empregadas domésticas, estudantes e operários. O policial, emudecido pelo constrangimento se limitou a quebrar o gravador do repór-ter aprendiz.

A indústria midiática baiana tem, ao longo da primeira década deste século, se especializado em depre-ciar a imagem da Bahia no cenário nacional. Fez com que terra onde a História do Brasil começou, a terra dos líderes da Guerrilha do Araguaia, a Bahia de Carlos Marighela, líder da resistência urbana à ditadura mili-tar. A mídia baiana fez com que o brasileiro se esquecesse da Bahia retratada por Jorge Amado, Dorival Caymmi, Glauber Rocha, a Bahia de Tieta e Gabriela.

O povo baiano, durante a Era ACM, preferiu cultivar uma política de pão, porrada e circo, uma vez que a patota carlista omitia a porrada, os sub-empregos e as mazelas destinados á maioria da população baiana causariam uma imagem de Bahia maltratada. Tendo o poder do rádio, televisão e imprensa escrita baiana, o carnaval e as festas de todo tipo foram levados ao Brasil e ao resto do mundo como a “Cara da Bahia”, fa-zendo da Bahia, berço da independência do Brasil, uma terra de gente festeira e preguiçosa.

Com o desdobramento da Axé Music chegou-se ao pagode, o advento dessa nova musicalidade, como uma fusão de samba e hip-hop, começa então a responder Caymmi quando ele perguntou “O que é que a baiana tem?”, mas a resposta que ele queria era os atributos da baiana que faz quitutes, da baiana doceira, a baiana de pele morena e cabelos cacheados, mas a baiana mostrada pelas letras e coreografias do pagode e a baiana de bunda empinada, a baiana que usa roupas que por dois milagres não deixam à mostra as suas vergonhas.

E as baianas dos últimos anos se especializaram em balançar os glúteos ao bater da primeira lata, basta ver uma câmera ligada. No princípio era a bunda, e a bunda passou a dançar a boca da garrafa. Depois de alguns meses passaram a tomar vara pra pegar peixinho, e depois passaram a descer com a mão no tabaco, tão logo começaram a andar com um fio só todo enfiado (sabe-se lá onde). E depois de vê-las pedindo tudo até o talo é melhor parar, pois a falta de pudor é crime passível de prisão.

O cinema baiano também se depreciou nos últimos anos, pois Glauber Rocha que vendeu a Bahia de Tieta e Gabriela parou de produzir, e então a depreciação da baianidade pôde ser notada em “Cidade Baixa” e em “Ó Paí, Ó”. Produções que se preocupam em retratar a Salvador das trapaças, da prostituição, do tráfico de entorpecentes, a Bahia de piscina de água de coco e de carnaval o ano inteiro.

É de se imaginar o a televisão fez da Bahia. Os noticiários culturais e políticos foram visivelmente arra-sados, abatidos pelos programas policiais exibidos na teve aberta da Bahia no horário de almoço. Se a TV Bahia em seu jornalismo moldado nos jornais paulistas e fluminenses tratava as notícias do interior da mesma forma que as notícias da capital, mas os jornais policiais filtram até mesmo as notícias da capital.

Mostram o baiano fora da lei, o baiano que foi marginalizado pelo sistema e para prover o seu sustento tem de andar nas quebradas do tráfico ou do roubo. Este, que nada mais é do que uma vítima do sistema, sistema este que privou-lhe serviços essenciais como saúde e educação, sistema que lhe privou o trabalho honrado, esse baiano é humilhado pelas câmeras dos carrascos da mídia, são vitimados pelo sensacionalis-mo e pela demagogia, que mostra apenas a criminalidade da Bahia, mostra o ladrão preto de Peri-peri, e omi-te o ladrão branco da Graça, de Vila do Atlântico e da Pituba. Mostram a verdade, mas a generalizam, ao Inês de tratá-la como uma verdade isolada. Criaram o mito do baiano ladrão, o baiano traficante e o baiano droga-do, o baiano que tem de apanhar e ser morto pela polícia.

Este manifesto não tem um propósito anti-nacionalista a respeito da Bahia, não tem o plano de fazer com que o SSP-BA na carteira de identidade dos baianos seja retirado, pois a Bahia depreciada é a Bahia de Marighela, a Bahia de Gil e Caetano, é a Bahia de Ana Néri, a Bahia de Maria Quitéria e Joana Angélica, a Bahia que expulsou de terras brasileiras os tiranos portugueses e fez do Brasil um país verdadeiramente in-dependente, é pena que os próprios baianos apagaram da sua terra essa imagem tão mais bonita que essa que se tem agora. Qual a Bahia que deve ser exaltada? A corrompida e depreciada, ou a Bahia que é berço da independência do Brasil? Perdoe-me as más palavras, mas é hora de parar e pensar a respeito de nossa identidade baiana.

É só um votinho, não faz diferença!

Por Everton Marques de Carvalho

Uma das principais inovações trazidas pela constituição de 1998 foi o direito de voto aos maiores de dezesseis anos. Isso, se juntado ao voto das mulheres e aos votos da população em geral que tem aumentado galopantemente e vive mais anos, dá à uma quantidade assustadora de votos a mais em cada eleição. Calculando-se que há no Brasil cem milhões de eleitores, um voto é apenas uma gota d’água em meio ao oceano. As diferenças em décimos de pontos percentuais representam na verdade dezenas de milhares de votos. Então o que é um voto? Que importância tem um voto em meio ao quinto maior colégio eleitoral do mundo? O que vem a ser um em meio a cem milhões?
De certo, este voto passa despercebido, um em meio a dezenas, em meio a centenas ou milhares é insignificante. O que dizer então se este estiver em meio a dezenas ou centenas de milhares, o que são os quatro milhões de soteropolitanos se comparados aos 16 milhões de soteropolitanos? São como um ratinho perante a um leão. Um voto é apenas um voto, não tem poder decisório em uma votação municipal, tampouco em uma eleição nacional. Um voto é apenas um, milhões são milhões, milhões fazem a diferença, e uma andorinha só não faz verão.
Os interesses das massas devem prevalecer muito mais do que os interesses dos indivíduos, a maioria sempre vence, e se algum se diferencia, deve se calar e cooperar com a maioria. Assim é que funciona com as votações, vota-se em comum para não parecer diferente, e mesmo que seja diferente. Votar em que o indivíduo acha que realmente vai fazer a diferença, mesmo que esse alguém vote nesse candidato escolhido , ele não vencerá o pleito, então esse será um voto perdido. De fato, um voto não tem importância nenhuma se não combinar aos votos da maioria.
Se um voto não faz diferença, o que deve-se dizer dos votos de minerva, muito comuns em tribunais e parlamentos, mencionados sempre que há impasses em votações importantes? Um voto tem ou não tem importância? Tem ou não tem pode de fazer a diferença? O que determina a diferença é a decisão individual organizada. A massa precisa se transformar em turba, organizar indivíduos interessados e fazer a diferença. Não seguir os interesses dos detentores das rédeas do poder.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sobre a Paixão



Qual o maior segredo que um homem é capaz de esconder? Sua riqueza ou sua pobreza? Uma outra família? Sua idade? O número dos sapatos? Muitas são as coisas que um homem é capaz de esconder, manter enclausuradas nas entranhas de sua alma. Mas ele jamais será capaz de esconder uma paixão.
Por mais que ele tente, não o conseguirá. Isso é fato, fato-pulo, um fato incontestável. Não só a História, mas a Filosofia, a própria fé ou a Teologia conseguem explicar, mas um homem apaixonado é capaz de lutar contra si mesmo e perder, quando tenta esconder uma paixão.
Ele revela a sua paixão, mesmo sem querer. Quando vê a mulher amada seu olhar se foca na imagem dela, não sai dela até que ela se perca na multidão, ou até que seu campo de visão seja incapaz de abrigar tão bela paisagem.
Tudo para ele faz lembrar a imagem dela, o brilho do sol, o canto dos pássaros, as estrelas... Tudo o faz pensar na mulher amada. Aliás, esse é um dos sintomas de um homem que está apaixonado, ele fica sensível às manifestações da natureza, passa a observar as flores, as borboletas, tudo para ele é a prova da existência do amor, embora ele insista em dizer que não está apaixonado.
Quando um homem está apaixonado, ele fica mais sensível à música, afasta-se dos amigos, quer apenas imaginar uma forma de se aproximar da coisa amada. O amador é um obcecado, tem a constante obceção em manter-se perto dela, procura saber em que disciplinas ela não tem bom rendimento, estuda-as a fim de manter-se bem na matéria a ponto de ela chegar até ele pedindo ajuda nos estudos, ou ele combina com um amigo para que esteja com ela na biblioteca, ou que ele o recomende a ela. O que ele quer é mostrar as suas habilidades para a moça.
Manda cartões, bombons, flores, recados no auto-falante da escola, nega-se a revelar que está enamorado, o amador tenta em muitos momentos esconder o seu sentimento, isso porque é o oposto da personalidade racional que ele construiu sobre si, tudo para manter a coisa amada perto dele.
Por fim há o encontro, é o momento em que ele não tem o que fazer além de revelar os seus mais profundos e ocultos sentimentos. Ele fica trêmulo, seu coração palpita a ponto de querer sair do peito. Sua voz vaga e falha, palavras travam, logo ele que fala tão bem com os amigos...  É, quando um homem se apaixona ele perde a noção de si mesmo, se é tolo fica sábio, se é sábio fica tolo. Quando realista, torna-se sonhador, quando sonhador, se perde em seus sonhos. Filosofa sobre as coisas mais simples que se pode imaginar. Faz coisas que nem ele mesmo imagina, torna-se caridoso, bondade passa a ser o seu segundo nome.
Ele faz de tudo pra chamar atenção da amada, veste-se melhor, tira do armário os sapatos de couro e a gravata listrada, passa a colocar a camisa para dentro da calça e a abotoar o último botão, começa a passar o uniforme, a pentear o cabelo, abandona certos amigos que derrubam a imagem de “homem sério e comprometido” que ele quer construir, isso porque alguém, certamente um filósofo[1], falou que ele deve se espelhar no pai da moça, esse é o homem que ele usa como referência, é o único com quem conviveu o bastante para saber como se comporta. E ela quer alguém que lhe passe a segurança eu este lhe passa.
Se for astucioso e calculista o suficiente para não desejar falhar, ele fará contatos entre seus amigos e entre as amigas dela, tudo em segredo, para que o plano não seja descoberto e o desejo de conhecimento sobre a coisa a amada não se torne espionagem, pois é assim que a moça amada enxerga o desejo constante que o amador tem e conhecer os seus hábitos e gostos.
O amador então faz contatos e descobre qual o doce preferido dela, qual a cor preferida, a música, o livro, tudo o que a fará se sentir bem se talvez ela se encontre com ele. Mas falta a última e mais importante de todas as coisas que ele tem de descobrir, e esta é o número do telefone dela, para ficar horas e horas conversando coisas que nem se imagina, cosas que ele nem pensava que ia um dia falar com alguém.
Eis então que chega a hora de se declarar implicitamente, e este é o culto da sexta-feira, conhecido nos internatos internacionalmente não como um momento de adoração a Deus, mas como o momento de lançar à mesa as cartas minuciosamente calculadas durante toda uma semana. O amador sempre chega primeiro, impaciente, caminha de um lado para o outro olha o relógio, olha para a porta, senta-se em um dos bancos detrás, isso porque ele combinara com as amigas dela que estaria com determinado tipo de roupa e penteado, fica em um ponto onde será visto indubitavelmente. As amigas e a amada se sentam a dez metros dele, uma fileira a frente, assim ele pode olhá-la sem que ela perceba, a as amiga possam dizer a ela: “aquele cara está olhando para você”.
Ao final do culto, eles vão à praça, ele fica em um ponto conversando com os amigos mais notáveis, a fim de atrair olhares, principalmente o dela, conversa quase em silêncio, ouvem-se apenas risadas das piadas que contam, piadas políticas, sobre arte, coisas assim, dando a ele uma aparência de homem culto e inteligente. Ela fica conversando com as amigas, do outro lado da praça, em um ponto onde ela possa vê-lo, sem que ele perceba os olhares.
Quando decidem ir para casa as amigas dela, junto com ela, passam por perto dele, despertam a atenção dele, a fim de que ele telefone para ela assim que chegar à sua casa. E é assim que acontece. Mas ele decide abrir parte do jogo, diz que observa-a a muito tempo, que não tem olhos para outras  moças e que não consegue ficar um só minuto sem pensar nela, e que não consegue ficar mais um dia sem pedi-la em namoro. E ela, por livre e instantânea pressão de suas amigas, aceita o pedido.
Mas a mulher nem sempre é a coisa amada, nem sempre é o objeto de desejo de um homem, nem sempre o homem é o amador, o admirador, o observador. Às vezes a mulher ama, observa, deseja, mas não é da mesma forma que o homem. Se não, a primeira parte desse trabalho trataria da mesma forma homens e mulheres, mas são seres diferentes, os homens fazem apenas uma coisa de cada vez, se estudam, não conseguem trabalhar, se trabalham não conseguem amar, se amam não conseguem estudar, mas em compensação eles fazem de cada vez uma coisa bem feita.
A mulher, por sua vez, consegue limpar a casa, preparar o almoço, cuidar das crianças, vê tevê e conversar com a amiga apelo telefone ao mesmo tempo, isso quando não inventa de dirigir e retocar a maquiagem. Isso se deve ao cérebro segmentado da mulher, graças a ele ela consegue fazer todas essas coisas ao mesmo tempo, enquanto o homem faz uma coisa de cada vez, só que bem feito.
A mulher não gosta de mostrar que está apaixonada, que sente algo por um homem, o machismo faz com que ela seja vista como atirada, oferecida, em bom “internatês[2]”, puta. Como não quer receber esse decepcionante título, ela mantém-se na passiva, faz com que o homem a note, e tome a iniciativa, deixa brechas para que ele se aproxime, faz com que ele olhe para ela, fica sempre em pontos onde ele pode vê-la, sempre mantendo uma distância considerável, para que ele a veja em segundo ou terceiro plano. Caso ficasse em primeiro plano, seria vista como oferecida.
Ela cria formas de chamar atenção dele, mas como? Usando uma roupa discreta, que passe uma imagem de moça direita, de moça descente. Depois usa perfumes suaves, maquia-se em tons suaves, quase despercebidos, tudo para fazer com que ele a olhe, e não para que ela olhe para ele. Então ela, na escola, senta-se em um banco junto à porta da sala, as salas convergem num pátio, onde todos ficam durante o intervalo. Ela então conversa com as amigas de forma descontraída, na conversa predomina coisas que a fazem sentir-se bem, de forma que haja sempre um sorriso no rosto e que haja sempre um brilho singular no olhar.
Até aí ninguém, além dela sabe dessa paixão. Então ela decide comentar com as amigas, tudo dela remete a ele, ela fala dele, costuma dizer: “Ah se esse professor de matemática fosse igual a ele”. Tudo o que ela fala tem o nome dele no meio. O fichário, a agenda e o diário passam a ganhas nas folhas corações com o nome dos dois juntos. As amigas então descobrem que ela está apaixonada e tratam de criar a rede de contatos que em dois dias aproximarão a amadora da coisa amada. É engraçado como as mulheres conseguem fazer essas coisas, bastam alguns telefonemas para o outro lado da praça.
Elas telefonam para um ou dois homens amigos do amado, marcam encontros e coletam informações. Um círculo de casais se forma, mas apenas um se consolidará, ao menos que mais alguém consiga um par duradouro. Conversam, e se dispersam, a amadora então encontra-se com a coisa amada. Uma conversa e um segundo encontro é marcado.
Mas, se a moça for esperta esse segundo encontro é desmarcado por uma dor de cabeça ou uma cólica menstrual. Entretanto, nem tudo está perdido, pois não há no internato alguém que seja bom o suficiente em todas as disciplinas, alguém que seja auto-suficiente em conhecimento. A mocinha então deve procurar alguém que a ajude com as matérias passadas em Matemática, Química, Física, Biologia ou História. Claro que esse alguém não é o filósofo, pois ele não é o objeto de desejo da mocinha, ela deseja o nerd, que entende dessas disciplinas, mas não como o filósofo, que busca de fato entender, o nerd[3] decora as fórmulas e macetes, sabe como nem o professor de Matemática sabe fazer o que fazem os que vivem entre os números, ir do nada a lugar nenhum.
Ela então telefona para um amigo dele e pede ajuda na disciplina, claro que ela sabe que esse amigo não é bom naquela disciplina, ele não detém os conhecimentos necessários para torná-lo apto a lecionar para outra pessoa. Mas o que fez ela telefonar para ele? Retorna-se a um dos parágrafos anteriores, onde se explana a situação da mocinha, ela não pode ir até o amado porque pode parecer que está sendo oferecida, que está se oferecendo para ele. Então ele tem que fazer parecer ser algo ocorrido ao acaso.
Esse amigo não desconfia de nada e então, sendo tolo o suficiente para não entender o que se passa e tirar proveito da situação (pois também é nerd), indica o ser amado da mocinha, pois ele vai ajudá-la de forma melhor que ele. Se este fosse um filósofo, marcaria uma aula para dois ou três dias depois, pois tem uma agenda carregada, então esforçar-se-ia para aprender aquele conteúdo das aulas, e depois ele faria com que pudesse dominar o conteúdo e então iria ele mesmo dar as aulas e ganhar a mocinha do amigo, que ta o momento não sabe de nada.
O nerd é o, perdoe a má palavra, lerdo nato (nada a ver com a semelhança fonética das palavras, nerd = dedicado e lerdo = retardado), o nerd é um ser desligado do mundo real e gosta das coisas sendo feitas segundo a lei de Newton, segundo as leis de sabe lá qual físico ou químico que a criou. Então ele faz tudo da maneira mais certa possível, ele transfere a ligação telefônica para o apartamento do amigo nerd, este de nada sabe, não sabe da sua popularidade como aspirante a professor, tampouco da paixão que a mocinha tem por ele. Para consumar a preliminar da paixão, os dois marcam para estudar numa tarde qualquer da semana na biblioteca.
O nerd chega antes, com seu laptop, calculadora HP 12 C, uma pasta com lápis, canetas de cores variadas, compasso, esquadro, transferidor e régua, sem falar no papel liso e no papel quadriculado, estes são seus instrumentos de trabalho. Então ele vai até a estande dos livros que utilizará com a mocinha e pega o volume mais fino que tiver, em compensação é um livro que trata exclusivamente daquele tema, isso mostra-o como conhecedor de livros.
A mocinha chega á biblioteca e encontra-o em um ponto de onde ela o vê sem dificuldades, cumprimenta-o e senta-se de frente a ele, ela então explica o que não entendeu. O nerd então lhe dá um show de conhecimento, arrotando sobre o papel através da ponta do lápis os gráficos e planos cartesianos, os cálculos quilométricos sobre a folha de papel liso, as teclas da calculadora são usadas como a de um datilógrafo profissional em se computador ou máquina de escrever. Depois da exibição ele pergunta se ela entendeu? A resposta negativa é proferida apenas para que ele explique tudo outra vez e ele possa então ouvir aquela voz que tanto lhe faz bem aos ouvidos.
Ela então vai para o quarto, telefona para ele e marca outras aulas, as conversas assim se seguem até que ele a pede em namoro, namoro este que durará até a entrega do boletim, quando ela saberá que está aprovada e que não precisa mais dos conhecimentos do nerd. Mas... Caso o amigo que atendesse ao telefone fosse um filósofo? A história da mocinha apaixonada teria um final diferente? Ele roubaria a paixão da mocinha do nerd e a apresentaria aos amigos na noite de sexta-feira depois do culto como sua namorada? A resposta... a resposta virá nos próximos parágrafos.
Se por um incrível acaso do destino o nerd tenha um amigo filósofo, e este filósofo seja um dos que estiveram no encontro forjado com casais de amigos, e caso tenha sido esse o amigo que atendeu ao telefone, ele pediria um prazo de dois dias, aprenderia o conteúdo e marcaria um encontro em uma noite qualquer da semana, que não a que ele se reunia com seus amigos, é sabido que grupos de filósofos se reúnem regularmente para debates.
O filósofo é completamente o oposto de Nerd, escolhe um livro grosso, o que dá a idéia de gosto pela leitura, e também um gosto generalizado. Fica em um ponto escondido da biblioteca, a mocinha tem de procurá-lo, ela o encontra lendo uma outra coisa que não Matemática. Então ela vai até ele, que a recebe dando-lhe um bombom de chocolate. Ela aceita e se senta de frente a ele.
Entra em cena o lado malandro do filósofo, ele é atencioso, fala olhando nos olhos dela, sempre elogiando algum detalhe do rosto ou do cabelo dela, inclina-se em sua direção para falar, provoca brilho no olhar, a foz grave e cadenciada dos debates dá lugar a uma voz doce e calma. Entre uma informação e outra ele faz alguma brincadeira com a mocinha, conta uma piada. Jamais age como o nerd, que mostra que conhece, ele joga o problema para que ela resolva, força ela a pensar na solução ideal para o problema, cria problemas em que a resposta seja 1 banana, algo concreto.
Como é noite ela sai da biblioteca junto com ela, se sentam em algum lugar a fim de olharem para as estrelas. Como a mocinha é religiosa ele banca o pastor e diz o quão perfeito é Deus, compara a beleza da moça, o brilho dos olhos dela com o brilho das estrelas, sempre subestimando o céu.
Eis que eles passam por uma alameda, onde as árvores filtram a luz que vem dos postes, então ele pede a ela que pare em um ponto onde um feixe de luz incide sobre o rosto dela, pede a ela que fique parada e dê um sorriso, ele nada vê além do rosto dela, então ele diz que poderia ficar ali parado o resto da vida, pois consegue ver o quão perfeita é a natureza, o quão belo é o rosto dela.
Caminham juntos e ao deixá-la na porta da casa dela,  ele diz que deseja que o relógio pare no momento em que se abraçam para que aquele momento se eternize e que é o que ele mais quer. A essa altura ele já tem o telefone dela, e ele telefona assim que chega em casa, ela já pensa nele, ele marca então um encontro para uma tarde qualquer da semana. Para que tomem um sorvete, geralmente logo depois da hora de estudo.
Ele então a espera com uma roupa descontraída, camisa estampada, colarinho dobrado, o botão de cima da camisa aberto, a calça jeans e sandálias, toma o sorvete e o diálogo se assemelha ao da biblioteca, ele fala dos outros rapazes do campus com ar de desdém, chega a por em xeque a masculinidade deles tendo em vista a beleza da mocinha sem namorado, desdenha também de outras garotas, fazendo-a sentir-se a mais bela do campus.
Terminado o sorvete vão caminhando, ele faz brincadeiras com ela, algo do tipo confiscar o prendedor de cabelo, ou as chaves dela, fazendo-a rir, isso é importante, pois a descontração que ele causa nela é um elemento de aproximação. Esse elemento é o que vai fazê-la sentir-se atraída por ele. Depois de conversar sobre coisas que jamais conversaria com seus amigos filósofos, eles se sentam em um lugar na praça onde sejam somente os dois.
Continuarão a conversar até que chegue a hora de se preparar para o culto do Pôr-do-sol. Neste culto, moças e rapazes se separam. Então eles se despedem com a promessa de se verem á noite. Mas o que acontecerá? O que acontecerá é que o filósofo, no seio de sua malandragem honesta, pedirá a mocinha em namoro, então ela, sem escolha ou outro desejo, aceitará o pedido.
Isso mostra que a paixão do mocinho é determinada pelas sensações químicas, sendo ele nerd, pastor ou atleta, mas o filósofo junta essas sensações ao lado humano do homem[4]. Ao abstraticismo e ao concretismo de seus pensamentos e dos pensamentos da mocinha. Enquanto a mocinha age em todo com o lado racional, isso quando é esperta o suficiente para utilizá-lo. Esse relacionamento tende a durar, dura até que ela resolva entrar para o clube dos filósofos, quando será alvo da malandragem dos veteranos, quando não compreender os debates e então imaginará que o namorado é meio louco.
Então ela o chamará em um canto isolado da escola, certamente na sala de aula durante o intervalo, ou tomando um sorvete, depois de um beijo seco ela irá dizer que amou ter conhecido-o, que foi ótimo o que houve entre os dois, mas que é melhor serem somente amigos daquele dia em diante. Mas caso isso não ocorra há apenas umas poucas coisas que podem por fim ao relacionamento, ele for expulso da escola, ela ser transferida, ou se durante a faculdade ele seja visto por alguém com uma caloura. No internato os boatos se espalham mais rápido que fumaça ao vento. Do contrário serão casados assim que se formarem, e serão felizes até que estoure uma revolução.


NOTAS


[1] O Filósofo é o indivíduo capaz de pensar, de questionar o sistema vigente, as leis das ciências e da sociedade. Quando o indivíduo, no internato, consegue ter essa capacidade de questionamento, e consegue não deixar-se levar pelos interesses da massa ele é “promovido” ao título de filósofo. Ou seja, o detentor da

[2] Conjunto de expressões da língua portuguesa, e de línguas estrangeiras, que compõem o vocabulário dos alunos do internato. Em muitos casos as palavras têm a pronúncia alterada, ou mesmo o seu significado.
[3] O nerd vem a ser o estudioso das ciências exatas, vive viajando nos números, saindo do mundo real dos objetos para o abstrato que é o universo dos números, sai da situação-problema, que não representa nada, e depois de horas debruçado sobre o papel, entre calculadoras e fórmulas matemáticas chega à resposta, e esta é um número, sem representação, não é 1 banana, mas simplesmente 1. Ou seja, coisa alguma. O nerd é o indivíduo que vai do nada a lugar nenhum.
[4] Sabe-se que se partir do pressuposto da anatomia e da célebre frase de Platão: “O homem deve ser medido do nariz para cima”. Chega-se a conclusão que do nariz para baixo o homem é um animal como outro qualquer, o que o torna racional, portanto humano, se encontra acima da linha do nariz, ou seja, no cérebro.