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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Liberdade em Demasia

Por Everton Marques de Carvalho


Conta-se que um policial foi interrogado por um jovem jornalista sobre o porquê de a Polícia chegar no bairro Beirú (Tancredo Neves), em Salvador, batendo em todos os moradores. A reposta do policial foi imedi-ata e assustadora: “É porque lá só mora bandido, puta e traficante”. O jovem repórter replicou dizendo que pega todos os dias um ônibus que passa pelo Beirú e sempre encontra pedreiros, empregadas domésticas, estudantes e operários. O policial, emudecido pelo constrangimento se limitou a quebrar o gravador do repór-ter aprendiz.

A indústria midiática baiana tem, ao longo da primeira década deste século, se especializado em depre-ciar a imagem da Bahia no cenário nacional. Fez com que terra onde a História do Brasil começou, a terra dos líderes da Guerrilha do Araguaia, a Bahia de Carlos Marighela, líder da resistência urbana à ditadura mili-tar. A mídia baiana fez com que o brasileiro se esquecesse da Bahia retratada por Jorge Amado, Dorival Caymmi, Glauber Rocha, a Bahia de Tieta e Gabriela.

O povo baiano, durante a Era ACM, preferiu cultivar uma política de pão, porrada e circo, uma vez que a patota carlista omitia a porrada, os sub-empregos e as mazelas destinados á maioria da população baiana causariam uma imagem de Bahia maltratada. Tendo o poder do rádio, televisão e imprensa escrita baiana, o carnaval e as festas de todo tipo foram levados ao Brasil e ao resto do mundo como a “Cara da Bahia”, fa-zendo da Bahia, berço da independência do Brasil, uma terra de gente festeira e preguiçosa.

Com o desdobramento da Axé Music chegou-se ao pagode, o advento dessa nova musicalidade, como uma fusão de samba e hip-hop, começa então a responder Caymmi quando ele perguntou “O que é que a baiana tem?”, mas a resposta que ele queria era os atributos da baiana que faz quitutes, da baiana doceira, a baiana de pele morena e cabelos cacheados, mas a baiana mostrada pelas letras e coreografias do pagode e a baiana de bunda empinada, a baiana que usa roupas que por dois milagres não deixam à mostra as suas vergonhas.

E as baianas dos últimos anos se especializaram em balançar os glúteos ao bater da primeira lata, basta ver uma câmera ligada. No princípio era a bunda, e a bunda passou a dançar a boca da garrafa. Depois de alguns meses passaram a tomar vara pra pegar peixinho, e depois passaram a descer com a mão no tabaco, tão logo começaram a andar com um fio só todo enfiado (sabe-se lá onde). E depois de vê-las pedindo tudo até o talo é melhor parar, pois a falta de pudor é crime passível de prisão.

O cinema baiano também se depreciou nos últimos anos, pois Glauber Rocha que vendeu a Bahia de Tieta e Gabriela parou de produzir, e então a depreciação da baianidade pôde ser notada em “Cidade Baixa” e em “Ó Paí, Ó”. Produções que se preocupam em retratar a Salvador das trapaças, da prostituição, do tráfico de entorpecentes, a Bahia de piscina de água de coco e de carnaval o ano inteiro.

É de se imaginar o a televisão fez da Bahia. Os noticiários culturais e políticos foram visivelmente arra-sados, abatidos pelos programas policiais exibidos na teve aberta da Bahia no horário de almoço. Se a TV Bahia em seu jornalismo moldado nos jornais paulistas e fluminenses tratava as notícias do interior da mesma forma que as notícias da capital, mas os jornais policiais filtram até mesmo as notícias da capital.

Mostram o baiano fora da lei, o baiano que foi marginalizado pelo sistema e para prover o seu sustento tem de andar nas quebradas do tráfico ou do roubo. Este, que nada mais é do que uma vítima do sistema, sistema este que privou-lhe serviços essenciais como saúde e educação, sistema que lhe privou o trabalho honrado, esse baiano é humilhado pelas câmeras dos carrascos da mídia, são vitimados pelo sensacionalis-mo e pela demagogia, que mostra apenas a criminalidade da Bahia, mostra o ladrão preto de Peri-peri, e omi-te o ladrão branco da Graça, de Vila do Atlântico e da Pituba. Mostram a verdade, mas a generalizam, ao Inês de tratá-la como uma verdade isolada. Criaram o mito do baiano ladrão, o baiano traficante e o baiano droga-do, o baiano que tem de apanhar e ser morto pela polícia.

Este manifesto não tem um propósito anti-nacionalista a respeito da Bahia, não tem o plano de fazer com que o SSP-BA na carteira de identidade dos baianos seja retirado, pois a Bahia depreciada é a Bahia de Marighela, a Bahia de Gil e Caetano, é a Bahia de Ana Néri, a Bahia de Maria Quitéria e Joana Angélica, a Bahia que expulsou de terras brasileiras os tiranos portugueses e fez do Brasil um país verdadeiramente in-dependente, é pena que os próprios baianos apagaram da sua terra essa imagem tão mais bonita que essa que se tem agora. Qual a Bahia que deve ser exaltada? A corrompida e depreciada, ou a Bahia que é berço da independência do Brasil? Perdoe-me as más palavras, mas é hora de parar e pensar a respeito de nossa identidade baiana.

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