Maurício Moraes
Da BBC Brasil em São Paulo
Na contramão da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, a
Comissão Global de Política sobre Drogas defende a descriminalização do consumo
de narcóticos e diz que o maior efeito da luta anti-drogas foi aumentar a
violência no mundo.
A comissão, presidida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e
integrada por outros notáveis como os ex-presidentes da Colômbia, César
Gaviria, e do México, Ernesto Zedillo, diz que a guerra contra as drogas, da
foma como é travada hoje, é um esforço perdido.
Assessor especial de FHC e coordenador do Secretariado da comissão, o
diplomata Miguel D’Arcy diz que é "preciso mudar a perspectiva moralista e
focar em uma visão de saúde pública".
Porta-voz da comissão, D’Arcy diz que "o grande beneficiário da
política proibitiva é o traficante", e não o cidadão, a quem tais
políticas teriam como objetivo proteger.
Leia a entrevista.
BBC Brasil – Como o senhor classifica a política
para drogas que hoje predomina no mundo?
Miguel D’Arcy – No momento em que vários presidentes latino-americanos abrem a
discussão para a descriminalização do consumo de drogas, muitas organizações
ainda promovem uma política meramente repressiva, que é ineficaz e precisa ser
mudada.
Agências importantes da ONU como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e
o Alto Comissariado de Direitos Humanos têm consciência de que a política
repressiva traz consigo um aumento no poder do narcotráfico, violações de
direitos humanos e o enfraquecimento da governança democrática.
Já outras agências como a Junta (Internacional de Fiscalização) de
Entorpecentes mantêm uma linha dura, em total dessintonia com as discussões
atuais, o que provoca uma esquizofrenia no sistema das Nações Unidas, que não
fala uma voz única, e sim contraditória.
BBC Brasil – Porque a comissão considera a política
repressiva falha?

Para Miguel D'Arcy, após anos de repressão, o tráfico e o consumo de
drogas continuam em alta no mundo
D’Arcy – Os números falam
por sim. Essa política tem como objetivo erradicar a produção, o tráfico e o
consumo. E os números disso continuam altíssimos em todos os continentes. Há
toda uma série de efeitos negativos, como o aumento da corrupção e a violação
de direitos humanos .
BBC Brasil – O que a comissão propõe?
D’Arcy – A comissão propõe a descriminalização
do porte de todas as drogas por parte dos consumidores. Não adianta
criminalizar e colocar a pessoa na cadeia, onde o consumo é as vezes até mais
fácil. Veja os Estados Unidos, onde há centenas de milhares de presos e o
consumo não diminui. É preciso mudar a perspectiva moralista e focar em uma
visão de saúde pública. Isso já vem ocorrendo na Europa e na América Latina. No
Brasil, o STF (Supremo Tribunal Federal) já deu entendimento de que o porte
para consumo não é crime. Se quisermos diminuir os danos causados pela droga, é
preciso dar ênfase à prevenção e ao tratamento.
BBC Brasil – A descriminalização seria para todas
as drogas ou para narcóticos mais fracos, como a maconha?
D’Arcy – Descriminalização
do consumo de todas as drogas. É preciso ter coragem para discutir as coisas
como elas são. No caso da maconha, é a droga mais usada e a base do poder do
narcotráfico. Não há base científica para tratá-la diferente do tabaco. A
revista Lancet, uma publicação
científica reconhecida, fez uma hierarquia de drogas lícitas e ilícitas. O
tabaco e álcool foram classificados como mais nocivos que a maconha. Não foram
cientistas hippies quem disseram isso, foi gente séria.
BBC Brasil – Há disposição política para a
discussão?
Comissão Global de Política sobre Drogas
Liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o grupo foi
criado em 2011 como um desdobramento da Iniciativa Latino-Americana para Drogas
e Democracia.
Integram a comissão os ex-presidentes da Colômbia, César Gavira, do
México, Ernesto Zedillo, o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, o
ex-secretário do Tesouro dos EUA, Paul Volcker, os ecritores Carlos Fuentes e
Mario Vargas Llosas, entre outros.
D’Arcy – Veja a América
Latina. O México hoje trava uma guerra perdida. Não tem nenhum outro país que
tenha feito mais para erradicar a droga como a Colômbia. Claro que a política
contra os narcóticos aumentou a segurança do país nos últimos anos, mas a
produção não diminuiu. Há várias lideranças, como o ex-presidente Ernesto
Zedillo, no México, e o próprio presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, que
defendem a discussão. O presidente da Guatemala (Otto Pérez Molina), que é um
militar conservador, já disse que é preciso uma política de regulação da
maconha, da mesma forma como se faz com o tabaco.
BBC Brasil – Mas a descriminalização isoladamente
em alguns países surtiria efeito, visto que o tráfico atua como um sistema
internacional?
D’Arcy – O argumento que um
país sozinho não pode fazer nada é paralisante. Portugal e Suíça já deram
passos nesse sentido. Quando os portugueses descriminalizaram, os americanos
não aprovaram. Mas eles foram em frente, e os resultados são hoje muito
positivos. É preciso entender que o grande beneficiário da política proibitiva
é o traficante. É como nos tempos da Lei Seca, nos Estados Unidos, quando
surgiram Al Capones e muita violência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário